30/04/2014 11h46
Lusco Fusco - Dois santos e um morto
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Caros amigos, obviamente vocês tomaram conhecimento sobre a canonização em massa promovida pela Igreja no último domingo. Na Praça de São Pedro, espaço tradicional das celebrações do Vaticano, o Papa Francisco elevou à condição de santos dois ex-colegas de comando. João Paulo II e João XXIII tiveram os milagres reconhecidos pela instituição à qual dedicaram as vidas.</div>
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A cerimônia teve alguns pontos marcantes. O primeiro foi a definitiva entrada da Igreja na era moderna do entretenimento. Não me refiro aqui à conta no Twitter mantida pelo simpático Chiquito (@Pontifex_pt). Apesar de papa, o hermano usa a rede social como um mero mortal sem acesso à criatividade divina. Frases feitas e nada empolgantes dão o tom. "Não devemos jamais ficar presos no vórtice do pessimismo. A fé move as montanhas", eis um exemplo.</div>
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O que me leva à constatação de que a Igreja mira o show business é o fato de as canonizações do último domingo terem sido transmitidas em 3D para todo o mundo. Na América Latina, vários cinemas apresentaram a solenidade que colocou duas biografias antagônicas, e controversas, no mesmo patamar de São Pedro. Sim amigos, o derradeiro reconhecimento terreno para os homens de Deus ganhou um toque decisivo de modernidade. Preparem-se para as missas online, elas estão a caminho. </div>
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Ainda assim, 800 mil pessoas, sem contar os 2,2 mil jornalistas, amontoaram-se em Roma para assistir à cerimônia de camarote. É o mesmo tipo de fervor que faz com que dezenas de caravanas, todo domingo, rumem para a sede do SBT, em São Paulo, para assistir outro homem também elevado à condição de Santos, o Silvio.</div>
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Outro fato interessante foi que, pela primeira vez na história milenar da Igreja, dois papas vivos estiveram presentes na canonização de dois papas falecidos. Willy Gonser, que deixou as narrações do Galo na Itatiaia de lado e rumou para o Vaticano para se tornar Bento XVI, também marcou presença e degustou vários quitutes eclesiásticos. Dizem até que cochichou no pé do ouvido de um assecla: "Não sei por que Chiquito insiste em não usar Prada, são sapatos muito macios, só com eles temos acesso ao conforto do Paraíso".</div>
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Mas o ponto fundamental da patuscada na casa católica não se deu ali, na Praça de São Pedro. Senhores, o destino é o melhor escritor que já pisou nesse mundo. </div>
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Dois dias antes da cerimônia de canonização, um jovem italiano de 21 anos chamado Marco Gusmini comia sossegado ao pé de uma escultura construída em homenagem a João Paulo II, uma cruz de 300 quilos e 30 metros de altura, fincada nos arredores de Brescia. Lá estava Marco, reunido com um grupo de amigos devotos, a provar quitutes variados e deliciosos como presunto de Parma, mozzarella, pepperoni e, claro, um bom vinho. De repente, um ruído estranho seguido da constatação: a peça estava prestes a desabar.</div>
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Os acompanhantes de Marco correram para se safar. O pobre, que tinha dificuldades de locomoção, acabou esmagado e morreu ali mesmo, sob a cruz, compondo uma cena de sofrimento bíblico. É ou não é uma baita sacada do destino matar um católico em uma tragédia desencadeada por um monumento que homenageia o homem que dois dias depois viraria santo? Nem Gabriel Garcia Márquez, considerando um anjo das letras por muitos (quem sabe um bruxo?) conseguiria fazer melhor.</div>
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A perícia suspeita que os fortes ventos que assolavam o local no momento do acidente tenham desencadeado a queda. Seria o sopro de Deus a mostrar que, por mais que tentemos, é ele quem dá as cartas por essas bandas? "Homens fazendo de seus pares seres divinos e superiores, quem deu ordem pra isso?", teria esbravejado o Senhor na imensidão do infinito.</div>
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No entanto, o roteiro do imponderável é mais surpreendente do que imaginamos. Sabem o nome da rua onde Marco vivia? João XXIII. Isso mesmo, o nome do outro papa santificado no último domingo. Como explicar um negócio desse meu povo?</div>
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Para a família e amigos da vítima, uma tragédia, sem dúvida. Para o resto da humanidade, uma oportunidade para se pensar: que raio de mistério é esse que ilumina essa coisa chamada vida? Enquanto dois santos tomaram assento na mesa de Deus, um pobre pecador devoto não conseguiu sair vivo de um piquenique aos pés da cruz de João Paulo II.</div>
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Parei por aqui. Vou ali me benzer no candomblé.</div>
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thobiasalmeida@gmail.com</div>