Bom Dia - O Diário do Médio Piracicaba

notícias

16/06/2015 09h29

Os Sinos - A intoler?ncia no Brasil atual e no mundo

Compartilhe
<p> O assassinato dos chargistas franceses do Charlie Hebdo recentemente, a &uacute;ltima elei&ccedil;&atilde;o presidencial no Brasil e agora a encena&ccedil;&atilde;o de uma transexual como Cristo Crucificado durante a Parada Gay em S&atilde;o Paulo trouxeram &agrave; luz um preconceito latente no mundo e na cultura brasileira: a intoler&acirc;ncia.</p> <p> &nbsp;A intoler&acirc;ncia no Brasil &eacute; parte daquilo que Sergio Buarque de Holanda chama de &ldquo;cordial&rdquo; no sentido de &oacute;dio e preconceito, que vem do cora&ccedil;&atilde;o como a hospitalidade e simpatia. Em vez de cordial eu prefereria dizer que o povo brasileiro &eacute; passional.</p> <p> O que se mostrou na &uacute;ltima campanha eleitoral foi o &ldquo;cordial-passional&rdquo; tanto como &oacute;dio de classe (desprezo do pobre) como o de discrimina&ccedil;&atilde;o racial (nordestino e negro). Ser pobre, negro e nordestino implicava uma pecha negativa e a&iacute; o desejo absurdo de alguns de dividir o Brasil entre o Sul &ldquo;rico&rdquo; e o Nordeste &ldquo;pobre&rdquo;. Esse &oacute;dio de classe se deriva do arqu&eacute;tipo da Casa Grande e da Senzala introjetada em altos setores sociais, bem expresso por uma madame rica de Salvador:&rdquo;os pobres n&atilde;o contentes com receber a bolsa fam&iacute;lia, querem ainda ter direitos&rdquo;. Isso sup&otilde;e a id&eacute;ia de que se um dia foram escravos, deveriam continuar a fazer tudo de gra&ccedil;a, como se n&atilde;o tivesse havido a aboli&ccedil;&atilde;o da escravatura. Os homoafetivos e outros da LGBT s&atilde;o hostilizados at&eacute; nos debates oficiais entre os candidatos, revelando uma intoler&acirc;ncia &ldquo;intoler&aacute;vel&rdquo;.</p> <p> Para entender um pouco mais profundamente a intoler&acirc;ncia importa ir um pouco mais a fundo na quest&atilde;o. A realidade assim como nos &eacute; dada &eacute; contradit&oacute;ria em sua raiz; complexa, pois &eacute; converg&ecirc;ncia dos mais variados fatores; nela h&aacute; caos origin&aacute;rio e cosmos (ordem), h&aacute; luzes e sombras, h&aacute; o sim-b&oacute;lico e o dia-b&oacute;licos. Em si, n&atilde;o s&atilde;o defeitos de constru&ccedil;&atilde;o, mas a condi&ccedil;&atilde;o real de implenitude de tudo que existe no universo. Isso obriga a todos a conviver com as imperfei&ccedil;&otilde;es e as diferen&ccedil;as. E a sermos tolerantes com os que n&atilde;o pensam e agem como n&oacute;s. Traduzindo numa linguagem mais direta: s&atilde;o p&oacute;los opostos masp&oacute;los de uma mesma e &uacute;nica realidade din&acirc;mica. Estas polaridades n&atilde;o podem ser suprimidas. Todo esfor&ccedil;o de supress&atilde;o termina no terror dos que presumem ter a verdade e a imp&otilde;em aos demais. O excesso de verdade acaba sendo pior que o erro.</p> <p> O que cada um (e a sociedade) deve sempre saber &eacute; distinguir um e outro p&oacute;lo e fazer a sua op&ccedil;&atilde;o. O indicado &eacute; optar pelo p&oacute;lo de luz, do sim-b&oacute;lico e do justo. Ent&atilde;o o ser humano se revela um ser &eacute;tico que se responsabiliza por seus atos e pelas consequ&ecirc;ncias boas ou m&aacute;s que deles se derivam.</p> <p> Algu&eacute;m poderia pensar: mas ent&atilde;o vale tudo? N&atilde;o h&aacute; mais diferen&ccedil;a? N&atilde;o se prega um vale tudo nem se borram as diferen&ccedil;as. Deve-se, sim, fazer distin&ccedil;&otilde;es. O joio &eacute; joio e n&atilde;o trigo. O trigo &eacute; trigo, n&atilde;o joio. O torturador n&atilde;o pode ter o mesmo destino que sua v&iacute;tima. O ser humano n&atilde;o pode igualar a ambos nem confundi-los. Deve discernir e optar pelo trigo, embora o joio continua existindo, mas sem ter a hegemonia.</p> <p> Para fazer coexistir sem confundir estes dois princ&iacute;pios devemos alimentar em n&oacute;s a toler&acirc;ncia. A toler&acirc;ncia &eacute; capacidade de manter, positivamente, a coexist&ecirc;ncia dif&iacute;cil e tensa dos dois p&oacute;los, sabendo que eles se op&otilde;em mas que com-p&otilde;em a mesma e &uacute;nca realidade din&acirc;mica. Imp&otilde;e-se optar pelo p&oacute;lo luminoso e manter sob controle o sombrio.</p> <p> O risco permanente &eacute; a intoler&acirc;ncia. Ela reduz a realidade, pois assume apenas um p&oacute;lo e nega o outro. Coage a todos a assumir o seu p&oacute;lo e a anula o outro, como o faz de forma criminosa o Estado Isl&acirc;mico e a Al Qaeda. O fundamentalismo e o dogmatismo tornam absoluta a sua verdade. Assim eles se condenam &agrave; intoler&acirc;ncia e passam a n&atilde;o reconhecer e a respeitar a verdade do outro. O primeiro que fazem &eacute; suprimir a liberdade de opini&atilde;o, o pluralismo e imp&ocirc;r o pensamento &uacute;nico. Os atentados como o de Paris t&ecirc;m por base esta intoler&acirc;ncia.</p> <p> &Eacute; imperioso evitar a toler&acirc;ncia passiva, aquela atitude de quem aceita a exist&ecirc;ncia com o outro n&atilde;o porque o deseje e veja algum valor nisso, mas porque n&atilde;o o consegue evitar.</p> <p> H&aacute; que se incentivar a toler&acirc;ncia ativa que consiste na coexist&ecirc;ncia, na atitude de quem positivamente convive com o outro porque tem respeito por ele e consegue ver os valores da diferen&ccedil;a e assim pode se enriquecer.</p> <p> A toler&acirc;ncia &eacute; antes de mais nada uma exig&ecirc;ncia &eacute;tica. Ela representa o direito que cada pessoa possui de ser aquilo que &eacute; e de continuar a s&ecirc;-lo. Esse direito foi expresso universalmente na regra de ouro &ldquo;N&atilde;o fa&ccedil;as ao outro o que n&atilde;o queres que te fa&ccedil;am a ti&rdquo;. Ou formulado positivamente:&rdquo;Fa&ccedil;a ao outro o que queres que te fa&ccedil;am a ti&rdquo;. Esse preceito &eacute; &oacute;bvio.</p> <p> O n&uacute;cleo de verdade contido na toler&acirc;ncia, no fundo, se resume nisso: cada pessoa tem direito de viver e de conviver no planeta Terra. Ela goza do direito de estar aqui com sua diferen&ccedil;a espec&iacute;fica em termos de vis&otilde;es de mundo, de cren&ccedil;as e de ideologias. Essa &eacute; a grande limita&ccedil;&atilde;o das sociedades europ&eacute;ias: a dificuldade de aceitar o outro, seja &aacute;rabe, mu&ccedil;ulmano ou turco e na sociedade brasileira, do afro-descendente, do nordestino e do ind&iacute;gena. As sociedades devem se organizar de tal maneira que todos possam, por direito, se sentir inclu&iacute;dos. Da&iacute; nasce a paz, que segundo a Carta da Terra, &eacute; &rdquo;a plenitude criada por rela&ccedil;&otilde;es corretas consigo mesmo, com outras pessoas, com outras culturas, com outras vidas, com a Terra e com o Todo maior da qual somos parte&rdquo;(n.16 f).</p> <p> A natureza nos oferece a melhor li&ccedil;&atilde;o: por mais diversos que sejam os seres, todos convivem, se interconectam e formam a complexidade do real e a espl&ecirc;ndida diversidade da vida.</p> <p align="right"> <em>Leonardo Boff &eacute; colunista do JBonline, te&oacute;logo e fil&oacute;sofo</em></p>

Bom Dia Online- Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.

by Mediaplus