12/03/2025 12h17
Cachorros latem feito lobos...um arrepio...
A quaresma, para o Cristianismo, representa o tempo em que Jesus foi tentado pelo demônio no deserto. Foram 40 dias do escabroso jogando tentando dobrar Jesus. Não podia, mas tentou. Como tentou.
Curioso que no calendário brasileiro a quaresma vem logo depois do carnaval(quando as pessoas têm licença para pecar).
Para o cristianismo quaresma sugere reflexão, penitência e purificação para a ressurreição. Tempo de recolhimento e oração.
Mas não houve como evitar que no Brasil a quaresma se transformasse num “halloween tupiniquim”. Haja monstros e assombrações.
Quem é do interior sabe que existia uma religiosidade forte e muita realidade fantástica.
Eu residia na rua do Rosário, logo abaixo do cemitério de Alvinópolis. Um morredouro muito peculiar, todo cercado de bambus. Um amigo que se mudou pra Alvinópolis, certa vez, achou que era um estádio de futebol. Expliquei pra ele que havia muitos craques lá, mas já estavam jogando no andar de cima...ou de baixo né? Vai saber.
A quaresma em Alvinópolis era de reza e medo. Coincidia com as águas de março fechando verão. Sempre chovia muito e faltava energia. Pessoal falava: - se cachorro mijar no poste, acaba a luz. E acabava mesmo. Qualquer chuvinha mãe já procurava as velas.
E a visão do cemitério em noites de tempestade era fantasmagórica. Eu ficava no alpendre olhando os relâmpagos e rezando. Mas tinha uma cena que era mais aterrorizante ainda. Havia uma grande cruz de madeira defronte à igreja do rosário dos escravos. Algumas pessoas gostavam de enfeitar a cruz com papel celofone e tecido de chita. Só que com o tempo o papel e a chita iam de desfazendo e ficavam dependurados. Com o vento e com os raios, era uma visão tenebrosa. . Eu me lembro que subia pra casa depois das horas dançantes no AFC ou discoteca do industrial e passava assobiando do outro lado da rua. Não olhava pra cruz nem se me pagassem.Tinha certeza que tinha uma assombração lá e aprendi que tem 3 coisas que a gente não deve olhar nos olhos: cachorro, polícia e assombração. E como havia assombrações.
A maior narradora de casos de assombração que conheci foi a Dona Zita, que inspirou os temperos Dona Zita. Ela dramatizava de deixar a meninada sem dormir 5 noites. E na quaresma o terror era maior. A procissão dos mortos me assombrou por muitos anos. Diziam que à meia noite uma procissão dos mortos saia pela cidade e cada morto levava um osso na mão. Eu nunca tive coragem de olhar. Paulo Moreira em seu cavalo de fogo também. E olha que já ouvi barulhos de cavalos de madrugada. Eram tantos casos de assombração, o caixão que aparecia na fábrica de tecidos, a muié do algodão, o homem de chifres.
Mas sabem como é né? A ocupação urbana vai matando os fantasmas. A cruz de madeira desapareceu atrás do prédio que subiu morro acima. Os fantasmas deviam ser tombados pelo patrimônio imaterial. O cemitério todo iluminado não assombra mais.
As vezes acho que essa fantasmaiada toda era truque dos mais velhos pra manter a criançada bem comportada. Não sei como são as quaresmas pra meninada de hoje. Gostaria até de saber. Desconheço se nas outras cidades existem tantos causos de assombração. Mulas sem cabeça sei que existem. Ontem eu vi criticando a lei rouanet, sem ter a mínima ideia do que realmente representa. Lobisomens também tem muitos. Vampiros então, tem sobrando, Principalmente os vampiros de tempo, que sugam o que temos de mais precioso. Só que ninguém mais teme os fantasmas e almas penadas. A assombração que habita nossos pesadelos hoje em dia é o buuleto.