22/11/2019 08h22
Candeeiro na mata morta
Candeeiro na mata morta
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Sentado no banquinho tosco de jacarandá, logo abaixo da janela de imbuia azul desbotada, Wandão Madruga está triste. Mão no queixo sob o sol fraco de fim de tarde, seus olhos desolados fitam longe. Vão para o verde da montanha. Ele já vai acender seu Candeeiro.</div>
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Wandão defende sua condição de realista, nunca pessimista. E repete, desanimado, a triste sentença de que matam florestas e mares há muito, infelizmente, bem antes do surgimento de Bolsonaro e do português Jesus no banco do Flamengo. As queimadas e as manchas não são de hoje</div>
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As notícias dos extermínios o perseguem há tempos. Antes mesmo da morena Jatobá descrever a andança das águas e a bela Maju falar docemente das frentes frias e quentes, que vão e vêm sem roteiro e rotina. Os relatos da barbárie também lhe chegam pelos jornais, que apontam a morte dos cedros, perobas e jequitibás país afora, principalmente no seio da floresta amazônica. É o verde que cai clandestino e vira mesa de reuniões em Brasília.</div>
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“Estão matando nosso verde”, diz em fúnebre constatação nosso atônito amigo. E, segundo as últimas reportagens, ele tem razão. Elas relatam em coloridos mapas, meticulosas tabelas e cruéis fotos aéreas que as áreas mais devastadas pelos fazendeiros de fachada e madeireiros criminosos estão nos estados do Amazonas, Acre, Rondônia, Pará, Mato Grosso e Maranhão. Mas que o mal se alastra rapidamente Brasil afora. Falam também de uma ridícula fiscalização, mantida por uma fatia irrisória de orçamento governamental há anos, e que tende a diminuir. Num arremedo de revolta, quase derrubando o banquinho e mostrando o queixo marcado, Wandão extravasa em último grunhido seu pesar diante do crime ambiental: “Se cuidem! Primeiro foram os índios, de tanto teimar em serem os verdadeiros donos da terra. Depois os negros, de tanto sofrer para alimentar o luxo da aristocracia burra. Depois o Herzog, de tanto escrever o que não devia. Agora é a vez de nossas árvores. Depois seremos nós, pobres sobreviventes do caos”, vocifera.</div>
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Após toda a retórica, atentamente assistida por cerca de sete carneiros e pela cabocla Jupira, que faz cara de desdém por pouco entender as bravatas de Wandão, o nosso filosofo acerta a chama do Candeeiro e entra em casa, para acompanhar mais uma avalanche de opiniões tecnocratas, outras poéticas, noticiários conclusivos e soluções a granel. Resta-lhe um amontoado de especialistas em tudo e em nada, distribuindo verdades absolutas e teoremas acadêmicos de alimentar biblioteca. E olha que ele nem ligou seu computador que só tem a primeira versão do Word e correu das redes sociais. Ainda restou-lhe uma morena Jatobá e uma bela Maju dizendo que mataram outro Sergipe com fogo e óleo.</div>
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Restou o banquinho tosco de jacarandá, lá fora. A condição de realista, nunca pessimista, lá dentro. Restou o caos, a devastação e a incerteza de futuro. Talvez regar o cacau atrás de casa.</div>
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Brasília queima. O banco do Flamengo vibra. O Candeeiro de Wandão estão aceso.</div>