Bom Dia - O Diário do Médio Piracicaba

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15/09/2015 06h35

Os Sinos: Crian?as e guerras

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<p> Fantasias pueris, insensatas &mdash; guerras s&atilde;o travadas por crian&ccedil;as que se imaginam adultos e invulner&aacute;veis. Morrem estupidamente nos campos de batalha ou s&atilde;o afogadas em praias rasas, t&eacute;pidas e sossegadas, iludidas pelo fim do tiroteio. Quando sobrevivem esquecem o horror para, de novo, envergar uniformes.</p> <p> A foto do menininho s&iacute;rio AylanKurdi carregado pelo policial turco no balne&aacute;rio de Budrum, mar Egeu, Trag&eacute;dia dos refugiadosem instantes atravessou o mundo e tocou as almas das crian&ccedil;as encanecidas que brincam de fazer pol&iacute;tica. Algo pode mudar.</p> <p> N&atilde;o muito. Dentro de alguns dias estar&aacute; nas livrarias a tradu&ccedil;&atilde;o de &ldquo;Hereges&rdquo;, a nova saga do admir&aacute;vel narrador cubano, Leonardo Padura, cuja hist&oacute;ria come&ccedil;a em Maio de 1939 quando o transatl&acirc;ntico alem&atilde;o &ldquo;Saint Louis&rdquo; chegou ao porto de Havana vindo de Hamburgo com 937 refugiados, a maioria judeus, com a documenta&ccedil;&atilde;o fornecida pelas autoridades nazistas. Refugiados legais com a entrada assegurada pelas autoridades cubanas. Mesmo assim o navio foi proibido de encostar porque no interregno, a ditadura cubana refez a sua pol&iacute;tica migrat&oacute;ria tornando sem efeito os vistos concedidos.</p> <p> Obrigado a seguir viagem, o corret&iacute;ssimo comandante Schr&ouml;der, tentou aportar em Santo Domingo cujo ditador de plant&atilde;o, Rafael Trujillo, assegurara meses antes a entrada de 100 mil refugiados judeus. N&atilde;o foi autorizado, tentou Miami, com id&ecirc;ntico resultado apesar da presen&ccedil;a do liberal Franklin Roosevelt na Casa Branca. Depois das negativas da Fran&ccedil;a e Inglaterra, o barco encostou em Antu&eacute;rpia, B&eacute;lgica, e descarregou sua carga de refugiados. Mais da metade foi recapturada meses depois (quando B&eacute;lgica e Holanda foram esmagadas pela blitz nazista) e enviada para os infal&iacute;veis campos de exterm&iacute;nio.</p> <p> Padura n&atilde;o se contenta em descrever o tr&aacute;gico p&eacute;riplo do &ldquo;Saint Louis&rdquo; inspirador de rica bibliografia e filmografia. Em busca de hereges, refugiados e m&aacute;rtires, retroage &agrave; primeira metade do s&eacute;culo XVII para desvendar outros fanatismos e barb&aacute;ries.</p> <p> A hist&oacute;ria do &ldquo;Saint Louis&rdquo; come&ccedil;a no balne&aacute;rio de Evian, Fran&ccedil;a, onde em Julho de 1938, a pedido do mesmo Franklin Roosevelt, foi organizada uma confer&ecirc;ncia internacional para tratar dos quinhentos mil judeus expulsos da Alemanha e duzentos mil ap&aacute;tridas produzidos pela anexa&ccedil;&atilde;o da &Aacute;ustria. Durante oito dias, delegados de 35 pa&iacute;ses (Brasil inclu&iacute;do) e 24 organiza&ccedil;&otilde;es filantr&oacute;picas internacionais discutiram a sorte do quase um milh&atilde;o de refugiados oriundos do novo imp&eacute;rio nazista e os milh&otilde;es de outros que se acotovelavam em pa&iacute;ses vizinhos e simp&aacute;ticos ao fascismo. Criou-se uma entidade in&uacute;til, o Comit&eacute; Intergovernamental para Refugiados que em mat&eacute;ria de vistos, al&eacute;m do surpreendente oferecimento de Trujilo, pouco alterou o quadro de dr&aacute;sticas restri&ccedil;&otilde;es &agrave; entrada de refugiados.</p> <p> &Agrave;s v&eacute;speras do in&iacute;cio da 2&ordf; Guerra Mundial, os governos da Pol&ocirc;nia e Rom&ecirc;nia (certamente instigados pela diplomacia nazista) apelaram atrav&eacute;s de um memorando aos pa&iacute;ses pouco povoados e grandes extens&otilde;es de terra (Brasil inclu&iacute;do) visando a cria&ccedil;&atilde;o de santu&aacute;rios para acolhida dos refugiados europeus. Ningu&eacute;m se mexeu.</p> <p> Pouco depois come&ccedil;ou a liquida&ccedil;&atilde;o das comunidades judaicas na Europa do Leste, ainda sem o tag de Solu&ccedil;&atilde;o Final, Garoto do guettomas com id&ecirc;ntico objetivo. Quando a Wehrmacht enfiou os judeus poloneses no Gueto de Vars&oacute;via (logo depois arrasado), algu&eacute;m fez um dram&aacute;tico flagrante fotogr&aacute;fico que entrou para a hist&oacute;ria universal do horror: um garoto judeu com, no m&aacute;ximo dez anos, a estrela amarela costurada no casaco, marcha com os bra&ccedil;os levantados, rendido pelos soldados alem&atilde;es ao lado.</p> <p> Ningu&eacute;m sabe o nome e o destino do pequeno prisioneiro, a foto s&oacute; come&ccedil;ou a circular e tornar-se &iacute;cone quando foi poss&iacute;vel certificar que o nazi-fascismo fora finalmente vencido.</p> <p> N&atilde;o foi: ai est&aacute; a Hungria do xen&oacute;fobo e autorit&aacute;rio Viktor Orban fechando as portas de uma suposta Europa sem fronteiras que, n&atilde;o obstante, deixa AylanKurdi morrer na praia.</p> <p align="right"> <em>Por Alberto Dines&nbsp;</em></p>

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