Bom Dia - O Diário do Médio Piracicaba

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09/09/2014 10h09

Na Mesa, no Bar

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<p> Estava sentado na mesa de sempre, escondida debaixo da janela que lan&ccedil;a jatos de gordura sa&iacute;dos da cozinha. De tanto inalar aquele cheiro pesado a fome &eacute; dizimada e a economia na conta &eacute; consider&aacute;vel. A cantina em quest&atilde;o n&atilde;o preza a sobriedade dos pre&ccedil;os. Os cabelos ficam um pouco prejudicados, mas quem h&aacute; de se importar?</p> <p> &Agrave; frente, duas fileiras de mesas para ser exato, tr&ecirc;s mulheres conversavam sem se preocupar com a discri&ccedil;&atilde;o. Duas mo&ccedil;as mais conservadas, a terceira j&aacute; com saudades do tempo em que era cortejada por homens que considerava interessantes. Hoje, apenas aquele balofo enfiado em um terno apertado e desatualizado, com os cabelos&nbsp;empastados&nbsp;por alguma subst&acirc;ncia de odor desagrad&aacute;vel, dispensava-lhe aten&ccedil;&atilde;o.</p> <p> Se bem me recordo, as mo&ccedil;as faziam tro&ccedil;a de um homem que n&atilde;o conseguiu levar uma delas ao prazer pleno. A maldade feminina suprema, exercida em p&uacute;blico, um dos males da modernidade. Como riam e se divertiam do pobre que ousou desafiar a insaciedade da mulher experimentada.</p> <p> O gordo fingia que n&atilde;o se interessava, eu disfar&ccedil;ava os olhos para n&atilde;o assumir minha aten&ccedil;&atilde;o &agrave; cena, as mulheres se lixavam para o gordo e para mim. Gar&ccedil;om, mais uma cerveja. E um ma&ccedil;o de cigarros. Dois dos companheiros mais ingratos. Fazemos tudo por eles e nada recebemos em troca.</p> <p> O quadro j&aacute; se tornava enfadonho. O gordo n&atilde;o se arriscaria nunca. N&atilde;o aparentava dispor da m&iacute;nima por&ccedil;&atilde;o de autoconfian&ccedil;a. A noite daquele sujeito deveria ser uma eterna repeti&ccedil;&atilde;o. Contemplava os peitos, as coxas, as bundas, os rostos. Gravava tudo em sua cabe&ccedil;a redonda, leito de cursos degradantes de suor. Prov&aacute;vel que a punheta seria a &uacute;nica acompanhante.</p> <p> Na rua adjacente ao bar, um &ocirc;nibus para. Salta um homem jovem, altivo, postura rija, cabe&ccedil;a erguida a mirar apenas o passo &agrave; frente, nunca o ch&atilde;o. Uniforme devidamente ajustado e limpo, um ser que demonstrava orgulho. Desceu, perdeu alguns segundos na an&aacute;lise do ambiente et&iacute;lico e continuou a andar. Sua fei&ccedil;&atilde;o dirigia-nos o desprezo, como se n&oacute;s que ali est&aacute;vamos perd&ecirc;ssemos tempo com prazeres f&uacute;teis.</p> <p> Imagino que a esposa o esperava ansiosa em casa, quem sabe filho ou filhos, quem sabe um jantar simples, mas honesto. A televis&atilde;o, o descanso dos justos. Talvez at&eacute; transaria com a mulher, uma transa r&aacute;pida e pudica, sem o tempero da lux&uacute;ria. Dif&iacute;cil acreditar que seriam transviados. Homens de bem se constrangem em tratar as esposas como putas, por isso quase sempre s&atilde;o v&iacute;timas de trai&ccedil;&otilde;es. O que seriam dos jornais sem as trag&eacute;dias do cotidiano.</p> <p> Passada a corre&ccedil;&atilde;o refletida naquele trabalhador, barulhos estridentes foram ouvidos. Dois meninos, vindos da favela ancorada dois ou tr&ecirc;s quarteir&otilde;es acima, imitavam o som de sirenes. Escorriam morro abaixo de bicicleta, atingiam vertiginosa velocidade e n&atilde;o usavam freios, apenas impostavam o timbre de sirenes como a exigir a passagem de pedestres e demais ve&iacute;culos. Simplesmente mimetizavam viaturas policiais, que sempre adentravam a quebrada daquela maneira, sem pedir licen&ccedil;a nem perd&atilde;o.</p> <p> Os moleques cruzaram com o trabalhador. N&atilde;o, n&atilde;o esperem que seja narrado qualquer confronto f&iacute;sico. Eles desceram e o homem continuou sua caminhada rumo ao lar. Mas houve ali um conflito de realidades.</p> <p> Enquanto um se mantinha grudado ao ch&atilde;o, tendo a responsabilidade e corre&ccedil;&atilde;o como dogmas, a esperar eternamente a recompensa por uma vida seguida em linha reta, os meninos n&atilde;o se preocupavam em se poupar. Davam mostras de que viveriam para sempre a esperar o pr&oacute;ximo minuto, a pr&oacute;xima esquina, o pr&oacute;ximo cliente. Para os dois garotos pouco importava se preparar para algo que n&atilde;o &eacute; palp&aacute;vel. Mais valia a adrenalina da descida que o esfor&ccedil;o da subida.</p> <p> E l&aacute; foram eles, arriscando os cascos em curvas fechadas. E l&aacute; foi o trabalhador, arriscando a satisfa&ccedil;&atilde;o em uma postura de alta exig&ecirc;ncia moral. E l&aacute; ficou o gordo, degustando uma por&ccedil;&atilde;o de queijo pach&aacute; que engordurava os l&aacute;bios, arrematando de soslaio o conte&uacute;do de seu gozo solit&aacute;rio. L&aacute; ficaram as mulheres, rindo da falta de algu&eacute;m que lhes oferecesse satisfa&ccedil;&atilde;o.</p> <p> E l&aacute; fiquei eu, que nada arrisquei ou desejei. O pior de todos esp&eacute;cimes da narrativa.</p>

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