21/01/2014 14h09
Cervejas: Muito al?m da loira gelada
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Na obra A Fantástica Fábrica de Chocolate, livro infantil escrito, em 1964, pelo galês Roald Dahl, que recebeu versões para o cinema em 1974 e 2005, um concurso mundial dá a cinco crianças o direito de conhecer por dentro o processo produtivo de chocolates e outras guloseimas da mais famosa fábrica de doces do mundo, a Wonka, criada pelo empresário Willy Wonka. Meio século depois da publicação original, pequenos fabricantes de cerveja de Belo Horizonte resolveram abrir as portas de suas empresas e transformar a visita à fábrica em um passeio divertido para jovens e adultos.</p>
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As cervejarias Bäcker, no bairro Olhos d'Água, próximo à BR-040 no sentido Rio de Janeiro, e a Wäls, no bairro São Francisco, região da Pampulha, saíram na frente. Apesar de estar em pontos cercados de galpões e outras indústrias, ambas resolveram investir em infraestrutura para receber turistas, de Belo Horizonte e de outras cidades. Bäcker e Wäls já recebem visitas guiadas com agendamento prévio. Até setembro, no entanto, as portas devem ser efetivamente abertas a público. A Falke, em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de BH, também integra o roteiro, que passa a ser divulgado no site da Belotur como uma das atrações da cidade, a partir de setembro próximo.</p>
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Em fase mais adiantada, a microcervejaria Bäcker, em atividade desde 1999, adaptou o terreno ao lado da antiga fábrica e transformou a área em uma espécie de minidisneylândia para os cervejeiros de carteirinha. Além de permitir ao visitante conhecer o maquinário que produz os 12 produtos da marca (cinco tipos de Bäcker, quatro rótulos Três Lobos e três qualidades de chope), a casa vai oferecer música ao vivo, sala para degustação, menu com tira-gostos e almoço executivo de quinta a domingo, além de uma loja onde serão vendidos insumos e até máquinas para fazer cerveja em casa.</p>
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"Vamos fazer parte de um amplo projeto para divulgar a cultura cervejeira dentro e fora do estado", revela a diretora de marketing, Paula Lebbos. Segundo ela, a nova estrutura, com mesas de madeira de demolição, paredes e piso de tijolos aparentes e aparadores de ferro, é mais um passo de uma missão que começou na época da fundação da empresa. "Fazemos um trabalho de ‘evangelização’ cervejeira", diz. Ou seja, o trabalho é convencer o público sobre as vantagens do produto artesanal.</p>
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E a inventividade das receitas mineiras já vem rendendo louros. Em março de 2013, a Três Lobos Bravo – uma American Imperial Potter escura e amarga, maturada em tonéis de umburana (geralmente usados no envelhecimento de cachaça) – ganhou a medalha de ouro em sua categoria no Taste Award, em Bruxelas, na Bélgica, um dos mais disputados concursos cervejeiros do mundo.</p>
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Quem também começou de forma artesanal é a cervejaria Krug Bier, primeira casa de BH onde foi possível beber em meio aos tonéis de chope. Quase 20 anos depois, o mestre cervejeiro e proprietário Herwig Gangl, natural da Áustria e morador de um condomínio em Brumadinho, acredita que chegou a hora das cervejas especiais no Brasil. "Ainda falta logística e a carga de impostos é absurda, mas o público está atrás de cervejas melhores", afirma o empresário, que neste semestre vai aumentar em 30% sua capacidade de produção. Quase toda a nova capacidade será dedicada aos produtos mais sofisticados, como a recém-lançada Imperial e a Export. A loja-choperia da Krug Bier, que também produz as cervejas Áustria, fica no bairro São Pedro.</p>
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A inovação uniu um grupo cada vez mais amplo de cervejas com sotaque mineiro que caíram nas graças de apreciadores ao redor do mundo. Em 2008, o mestre cervejeiro e professor do assunto Marco Falcone surpreendeu o país ao apresentar sua Monasterium, a primeira bebida do tipo produzida pelo método de obtenção de champanhe no Brasil e, curiosamente, segundo ele, maturada ao som de canto gregoriano. Dois anos depois, lançou a Vivre pour Vivre, também achampanhada, que é feita com adição de jabuticaba.</p>
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Em Ribeirão das Neves, a Falke Bier também está ampliando sua produção. Com a nova fábrica, que deve estar em atividade a partir de setembro, o mestre cervejeiro Marco Falcone deve passar dos atuais 10 mil litros por mês para 70 mil litros mensais.</p>
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A atual líder de mercado em inovação é a Wäls, que vem lançando rótulos novos a cada seis meses. O último, uma extralager batizada como Jever, em homenagem ao tradicional restaurante alemão Stadt Jever, na Savassi, adquirido pelos irmãos Tiago e José Felipe Carneiro há menos de dois anos. São os dois que desenvolvem novas bebidas e vêm colecionando prêmios em um ritmo alucinante. Nesse curto período de tempo, eles criaram receitas ousadas como a 42, criada a pedido da Google. "A companhia queria um produto que não fosse um software. Aí nos procuraram. O resultado é uma cerveja feita com laranja-da-terra, café e amêndoas californianas, em homenagem a Minas, a São Paulo e à Califórnia", explica José Felipe.</p>
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Outra receita emblemática da Wäls é a Petroleum, criada pelos mestres da microcervejaria Dum, do Paraná. Trata-se de uma cerveja escura, de paladar aveludado com notas de café e chocolate. "É uma receita amiga. Eles desenvolveram, nós produzimos porque eles não tinham a tecnologia. Agora eles têm e estão produzindo. No meio cervejeiro somos todos amigos. O que fazemos é quase arte. Nós adoramos", destaca o empresário.</p>
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Segundo o diretor da Associação os Cervejeiros Artesanais (Acerva) Mineira, Humberto Ribeiro Mendes Neto, a principal diferença dos produtos de microcervejarias é que a bebida é feita dentro da lógica gastronômica, e não da lógica industrial. Vale mais a qualidade de ingredientes e a pluralidade de receitas, com suas possibilidades quase infinitas de harmonização, do que o volume vendido. "Os mineiros estão entendendo isso cada vez melhor", garante.</p>
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Dados da Acerva apontam que em 1999 Minas Gerais tinha cinco microcervejarias. Atualmente, são 25 registradas e, pelo menos, mais 20 em fase de obtenção de registro e outras duas centenas de cervejeiros caseiros. Somados, no entanto, todos eles produzem algo em torno de 800 mil litros por mês. Só a fábrica da Ambev, em Juatuba, na região metropolitana de BH, uma das quatro instaladas no estado, faz a mesma quantidade de cerveja em um turno de oito horas.</p>
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A qualidade, diz Humberto, é inversamente proporcional à variedade das bebidas. Enquanto a grande indústria não produz mais de seis tipos de cervejas no país – as únicas variedades reconhecidas pela legislação brasileira atualmente são clara, escura, leve, forte, de alta fermentação ou de baixa fermentação –, o manual internacional de produção contempla 28 famílias, com mais de 120 estilos de cerveja. Variedade para Willy Wonka nenhum botar defeito.</p>
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<strong>Confira quantos litros por mês fabricam as maiores cervejarias artesanais de Minas</strong></p>
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Bäcker: 250 mil</p>
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Krug: 200 mil</p>
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Wäls: 30 mil</p>
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Falke: 10 mil</p>