20/03/2018 17h34
Especial ?gua - VII F?rum Mundial das ?guas : O teatro das ?guas e a plateia dos exclu?dos
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<strong>*Eng. Cláudio B. Guerra</strong></p>
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O cenário das águas no nosso planeta hoje é bastante complexo, abrangendo aspectos ambientais, sociais, políticos, econômicos, culturais e éticos. Embora a água seja um elemento essencial à vida dos seres vivos, dos 7 bilhões de humanos da Terra hoje, cerca de 4 bilhões não têm acesso a ela e ao saneamento básico.</p>
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Desde 1997, o <strong>Fórum Mundial das Águas</strong> vem sendo organizado, a cada 3 anos, pelo <strong>Conselho Mundial da Água (CMA), </strong>que é uma organização que conta com a participação de grandes empresas transnacionais, da ONU, governos de vários países, Banco Mundial e algumas organizações não governamentais. Sua sede é em Marselha, na França. Dos 6 membros de sua alta direção, 2 são da iniciativa privada, 2 de governos, 1 da ONU e 1 de ONG. Os Fóruns Mundiais das Águas foram realizados até agora nas seguintes cidades : </p>
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I: 1997 Marrakesh (Marrocos); - II: 2000 Haia - III: 2003 Kyoto - IV: 2006 Mexico -V: 2009 Istambul </p>
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-VI: 2012 Marselha - VI: 2015 Daegu ( Coreia do Sul).</p>
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A realização do Fórum Mundial das Águas conta com o apoio da ONU, Banco Mundial e empresas transnacionais do setor hídrico/saneamento e tem como objetivos discutir temas como a necessidade de investimentos em infra estrutura hídrica, capacitação técnica, governabilidade, privatização, inovações tecnológicas, participação comunitária, realidades regionais específicas, etc.</p>
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No <strong>III Fórum</strong>, realizado em 2003, em Kyoto, Japão, que reuniu 24 mil participantes de 182 países, duas ONG´s internacionais de reconhecida credibilidade e muito respeitadas como <strong>IRN (Rede Internacional dos Rios) e </strong><strong>WWF( Fundo Mundial para a Vida Selvagem)</strong> fizeram severas críticas às suas conclusões lamentando profundamente que ao invés de priorizar a conservação dos ecossistemas aquáticos – a fonte maior de água- o Fórum enfatizou a necessidade de se investir maciçamente em infra-estrutura de água, saneamento e energia para atender o aumento cada vez maior da demanda nestes setores. Segundo a <strong>IRN</strong>, o III Fórum não passou de um grande encontro dos amigos “hidrocratas”, comandado por empresas transnacionais como Coca Cola, Suez, Nestlé, Veoliam, Monsanto, etc.</p>
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As críticas da IRN e do WWF, em 2003, chamaram a atenção para questões fundamentais da crise mundial da água :a ineficiência dos governos (principalmente dos países pobres e em desenvolvimento), a tendência marcante da privatização e a manipulação e corrupção no uso de vultosos recursos financeiros, nas obras de engenharia.</p>
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No <strong>VI Fórum</strong>, realizado, em 2012, em Marselha, França, o tema foi : “Tempo de buscar soluções” e contou com a participação de 35 mil pessoas, representando 170 países. Segundo o <strong>CMA, </strong>os resultados obtidos em Marselha foram muito significativos: os governos prometeram traduzir as várias recomendações em políticas públicas e ações concretas em cada país participante, fortalecendo os mecanismos existentes de governança global da água. A Declaração de Marselha ressalta a importância da adoção de uma abordagem global sobre o nexo água, energia e segurança alimentar de forma a assegurar o crescimento econômico sustentável, segurança alimentar e geração de empregos.</p>
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Paralelamente, em Marselha e no mesmo período, aconteceu o <em>Fórum Alternativo Mundial da Água</em>, que reuniu cerca de 3.000 participantes de organizações não governamentais de várias partes do mundo defendendo a tese de que o desenvolvimento socioeconômico, os direitos humanos e o equilíbrio ecológico do planeta não podem ficar nas mãos do mercado. Foi reivindicado que os “sistemas locais e regionais” deveriam ser mais valorizados e fortalecidos, assegurando uma gestão da água mais realista, democrática e solidária. O <em>Fórum Alternativo </em>alegou que nos debates no<em>Fórum Oficial </em>entre gestores públicos, dirigentes das grandesempresas transnacionais, diplomatas, ativistas das ONG´s, eles buscaram ganhar mais terreno na gestão pública e exerceram uma pressão para manter seus privilégios no mercado global da água.</p>
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Outra crítica ao VI Fórum foi que ele se negou sistematicamente a apoiar em suas declarações o direito humano à água e ao saneamento, sendo que na Assembléia da ONU, em 2010, nenhum país votou contra a <em>Resolução 64/292</em><strong>, </strong>queexige a universalização do acesso aos serviços de água e saneamento, em todos os países do mundo. </p>
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Portanto, num intervalo de cerca de 10 anos, uma avaliação geral mostra que os Fóruns das Águas continuam privilegiando grandes projetos de infra-estrutura e obras de engenharia, concentrando grandes investimentos nas mãos de poucas empresas transnacionais e seus aliados. Por outro lado, o <strong>CMA </strong>está sendo alvo de muitas críticas por ter supostamente organizado um esquema de “ação entre amigos” na defesa de seus interesses econômicos, também chamado de “business as usual”.</p>
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Assim, é facilmente visualizada no “grande teatro” do mercado global da água, a presença no palco dos “global players”, isto é, a direção do Conselho Mundial da Água e seus aliados, focados na defesa de interesses e espaços estratégicos no mundo hoje. Já na platéia, estãocerca de 1 bilhão de pessoas sem acesso a ela e cerca de 3 bilhões semacesso ao saneamento básico, formando uma multidão de excluídos de um processo de tomada de decisões diretamente relacionados à sua sobrevivência.</p>
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Segundo a Agenda 21, “os problemas de água e saneamento no mundo de hoje não são mais de natureza técnica e sim de natureza política e educacional”. Portanto, nossa conclusão é que a crise da água é essencialmente política e institucional, isto é, depende da vontade política e eficiência dos governos, dos grandes grupos econômicos transnacionais e também da população, que assiste passivamente a tudo. Para resolvê-la, tais governos precisam fazer mais investimentos em infra-estrutura e reformas estruturais na administração atual das empresas de água e saneamento desde que baseados nos interesses e prioridades da maioria de sua população e não ouvindo apenas os grandes grupos econômicos, fazendo alianças e tomando decisões junto com as grandes empreiteiras e empresas interessadas na privatização. As obras precisam ser transparentes e a corrupção firmemente combatida. Este é um aspecto fundamental e, ao que parece, é sempre “esquecido” nas conclusões do Fóruns Mundiais das Águas.</p>
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Finalmente, vale lembrar que milhares de especialistas da área de recursos hídricos e de gestores públicos em todo o mundo defendem uma nova <em>governança das águas, </em>quedefende as iniciativas de bases comunitárias, ao mesmo tempo que estimula a participação e envolvimento dos cidadãos num processo descentralizado, compartilhado e participativo. Entretanto, sabemos que o processo de mudanças é complexo e difícil de ser implementado. Embora desejadas e necessárias as mudanças sempre envolvem conflitos de interesses econômicos e muitas resistências. Elas só ocorrem quando há uma combinação de fatores como pressão social, estrutura jurídico-institucional razoável e lideranças políticas e empresariais trabalhando a seu favor de forma transparente na condução da gestão pública e dos negócios.A prática dessesfatores levam a uma situação onde todos ganham : eficiência dos serviçosno setor de água e saneamento, negócios limpos exitosos e a melhoria da qualidade de vida da população.</p>
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<em>Fotos: Divulgação</em></p>