Bom Dia - O Diário do Médio Piracicaba

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01/11/2017 09h34

Medo e depress?o marcam p?s-trag?dia em Mariana

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<p> &quot;Passarinho na gaiola&quot; tem sido a express&atilde;o preferida dos moradores de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo para descrever sua nova vida em Mariana desde que esses vilarejos rurais foram destru&iacute;dos pelo rompimento da barragem de Fund&atilde;o, operada pela Samarco, em 5 de novembro de 2015.</p> <p> Dois anos ap&oacute;s a maior trag&eacute;dia ambiental do pa&iacute;s, a mudan&ccedil;a dos atingidos para a zona urbana do munic&iacute;pio provocou casos de depress&atilde;o e abuso de rem&eacute;dios, hostilidade por parte da popula&ccedil;&atilde;o e incerteza sobre a possibilidade de retorno ao antigo modo de vida em novas vilas previstas para serem erguidas.</p> <p> A inaugura&ccedil;&atilde;o da nova Bento Rodrigues &eacute; aguardada para mar&ccedil;o de 2019, mas o terreno nem sequer foi regularizado. Com 69 anos, Henrique Bretas s&oacute; conseguiu realizar o sonho de voltar a Bento, que fica a 23 km da sede, quando morreu. Foi enterrado em setembro passado na igreja Nossa Senhora das Merc&ecirc;s, situada no alto da antiga vila rural, onde a lama da Samarco n&atilde;o chegou.</p> <p> O restante tem que conviver com discrimina&ccedil;&atilde;o de moradores que os culpam pelo desemprego de 25% na cidade, que dependia economicamente da mineradora, cujas atividades est&atilde;o suspensas e sem prazo de retomada. &quot;Tem dia que minha menina fala: &#39;Pai, eu quero voltar para o Bento&#39;. Eu falo que n&atilde;o tem Bento mais. Ela responde que quer ir para outro lugar, n&atilde;o quer ficar aqui. Isso d&oacute;i na gente&quot;, diz Expedito da Silva, 46.</p> <p> &quot;Voc&ecirc; fica sofrendo por dentro em ver as pessoas sofrendo e n&atilde;o ter o que fazer&quot;, completa. Ele, a mulher e quatro filhos vivem juntos em Mariana. Para manter a fam&iacute;lia, ele trabalha no transporte de carv&atilde;o e na apicultura. &quot;Isso &eacute; que &eacute; a tristeza. Ser t&atilde;o acolhido num momento e hoje se sentir prisioneiro por estar lutando por direitos.&quot;</p> <p> <strong>Fam&iacute;lias espalhadas</strong></p> <p> Atualmente, as fam&iacute;lias de Bento e Paracatu vivem espalhadas por Mariana em 303 im&oacute;veis alugados pela funda&ccedil;&atilde;o Renova, entidade bancada pela Samarco e suas donas, Vale e BHP Billiton. Tamb&eacute;m foram inaugurados escola e posto de sa&uacute;de que atendem somente a popula&ccedil;&atilde;o dos povoados rurais.</p> <p> A funda&ccedil;&atilde;o tem dire&ccedil;&atilde;o independente, mas seus programas t&ecirc;m que ser aprovado por um conselho curador, formado por representantes das tr&ecirc;s mineradoras. O processo de adapta&ccedil;&atilde;o &eacute; gradual. Ainda se acostumando com o novo ambiente, diferentes atingidos tiveram que mudar de casa dentro da cidade. Terezinha Quint&atilde;o Silva, 51, por exemplo, trocou tr&ecirc;s vezes. &quot;Os vizinhos eram muito barulhentos&quot;, diz. Ela mora com a filha e trabalhava em Bento no bar de coxinhas da irm&atilde;, que foi destru&iacute;do.</p> <p> <strong>Sonho de retorno</strong></p> <p> &quot;O que eu mais sinto falta &eacute; das minhas galinhas e da minha lenha. Eu queria ter um fog&atilde;o a lenha&quot;, diz Maria do Carmo, 56, ex-moradora de Paracatu. Reunida com outras senhoras atingidas, come&ccedil;am a especular sobre a reconstru&ccedil;&atilde;o de suas casas:</p> <p> - Tem que ter fog&atilde;o a lenha.</p> <p> - Comida de fog&atilde;o de lenha &eacute; mais gostosa. N&atilde;o esfria, fica quentinha.</p> <p> - Vera, nunca vai ser igual.</p> <p> - Ah, vai sim! Porque eu lutei e agora quero ela do mesmo jeito.</p> <p> A prosa ocorre na Casa dos Saberes durante um lanche, logo ap&oacute;s o grupo de senhoras visitar o Museu de Arte Sacra de Mariana -tudo organizado pela Renova. A casa com diversos ambientes, cozinha ampla, quintal e fog&atilde;o a lenha foi alugada pela funda&ccedil;&atilde;o para ser um espa&ccedil;o de conviv&ecirc;ncia e realiza&ccedil;&atilde;o de atividades religiosas, como coroa&ccedil;&otilde;es e encontros de irmandades, j&aacute; que a principal igreja de Bento foi completamente destru&iacute;da.</p> <p> Vera L&uacute;cia da Paix&atilde;o, 62, gostou do passeio, mas disse n&atilde;o ver a hora de &quot;ir para a casa&quot;, referindo-se ao reassentamento. &quot;Estou doida pra dar tchau pra voc&ecirc;s. Vou passar um ano sem vir a Mariana.&quot; A percep&ccedil;&atilde;o entre os moradores, compartilhada pelos profissionais de sa&uacute;de mental, &eacute; a de que os idosos s&atilde;o os que mais sofrem com a nova rotina imposta a eles. Sem as intera&ccedil;&otilde;es sociais de quem trabalha ou estuda e, principalmente, sem a conviv&ecirc;ncia com a terra e os vizinhos, n&atilde;o lhes restou muita coisa.</p> <p> Joaquim Zeferino Arcanjo, 73, conta que no come&ccedil;o da manh&atilde; j&aacute; tinha tirado o leite, separado os bezerros e cortado capim. &quot;Sa&iacute;a a cavalo ou de moto, juntando a cria&ccedil;&atilde;o. Agora n&atilde;o fa&ccedil;o nada, s&oacute; passeio pela rua afora, fazer o qu&ecirc;?&quot;, questiona.</p> <p> &quot;Aqui parece que &eacute; bom, a casa &eacute; muito boa, parece que eu estou bem, mas no meu pensar eu estou mal&quot;, diz. &quot;Porque o bom &eacute; o que &eacute; seu, nunca gostei de nada dos outros. Hoje estou dependendo.&quot; &quot;Tem gente que eu n&atilde;o vi at&eacute; hoje depois da trag&eacute;dia. Est&aacute; tudo esparrodado, um aqui, outro ali&quot;, diz Ant&ocirc;nio Alves, 72, antes adepto dos encontros com os colegas no bar e na igreja. &quot;Era sossegado. Todo dia a gente via a turma.&quot;</p> <p> <strong>&#39;P&eacute; de lama&#39; </strong></p> <p> Quando ainda tinham que conviver com outras crian&ccedil;as em uma escola da cidade, n&atilde;o eram poucos os atingidos que voltavam para casa chorando por serem chamados de &quot;p&eacute; de lama&quot;. Para a diretora Eliene Almeida, o conflito foi uma rea&ccedil;&atilde;o dos alunos da cidade de Mariana que, dividindo o espa&ccedil;o com os novatos da &aacute;rea rural, n&atilde;o recebiam a aten&ccedil;&atilde;o, as doa&ccedil;&otilde;es e a visibilidade dadas &agrave;s crian&ccedil;as atingidas.</p> <p> &quot;No momento do rompimento, chegava muita coisa para os meninos de Bento e Paracatu: brinquedos, materiais, presentes. Um dia at&eacute; desceu um Papai Noel de helic&oacute;ptero. E n&atilde;o contemplava os meninos da outra escola que ficavam enciumados, claro, s&atilde;o crian&ccedil;as.&quot; Os traumas fizeram a procura por tratamento aumentar. A rede de sa&uacute;de mental de Mariana registra uma m&eacute;dia de 500 atendimentos todo m&ecirc;s s&oacute; entre a popula&ccedil;&atilde;o atingida pelo rompimento.</p> <p> Os atingidos apresentam quadros depressivos, ansiosos, isolamento social e at&eacute; abuso de medica&ccedil;&atilde;o, &aacute;lcool e drogas.</p> <p> A hostiliza&ccedil;&atilde;o que sofrem de moradores da cidade, avalia Rossi, segue a l&oacute;gica do racismo, em a&ccedil;&otilde;es cotidianas &quot;da fila do banco ao banco da igreja&quot;. &quot;A paralisa&ccedil;&atilde;o da Samarco gerou um impacto econ&ocirc;mico e &eacute; preciso explicar para uma popula&ccedil;&atilde;o desempregada que os atingidos n&atilde;o est&atilde;o recebendo um benef&iacute;cio, mas uma repara&ccedil;&atilde;o&quot;, diz.</p> <p> &quot;Voc&ecirc; sai de manh&atilde; para comprar um p&atilde;o, chega na padaria e escuta os coment&aacute;rios: &#39;o pessoal de Bento &eacute; encostado, vagabundo, a Samarco paga tudo pra eles&#39;&quot;, conta Joelma Souza, 27. &quot;A Samarco n&atilde;o paga tudo, n&atilde;o, eles nos d&atilde;o o que &eacute; nosso direito. &Eacute; obriga&ccedil;&atilde;o deles.&quot;</p> <p> Na noite em que conversou com a reportagem, ela inaugurava sua barraquinha de lanches em uma feira de rua de Mariana. Em Bento, se dividia entre um emprego pela manh&atilde; e sua lanchonete &agrave; noite - perdeu ambos.</p> <p> Por orienta&ccedil;&atilde;o de um psiquiatra particular, Joelma chegou a tomar antidepressivo para controlar ansiedade, crises de choro e compuls&atilde;o por comida, mas resolveu parar por conta pr&oacute;pria. &quot;Isso n&atilde;o &eacute; vida, n&atilde;o. Eu n&atilde;o nasci pra tomar rem&eacute;dio. Nasci pra brilhar e correr atr&aacute;s do que &eacute; meu.&quot;</p> <p align="right"> <em>Fonte: (Folhapress)</em></p> <p align="right"> <em><em>Imagem: O distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), ap&oacute;s rompimento da barragem da Samarco - FL&Aacute;VIO RIBEIRO / PORTAL VERTICES (15/10/2016)</em></em></p>

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