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<p> O filho, pela tricent&eacute;zima sexag&eacute;sima quinta vez, tentava estabelecer um di&aacute;logo aproveit&aacute;vel com o pai. Digo apresent&aacute;vel, por que conversa de adulto com adolescente &eacute; s&oacute; pra cobrar condutas irrepreens&iacute;veis, como se os adultos n&atilde;o errassem...</p> <p> - Pai. Eu vi uma coisa incr&iacute;vel hoje.</p> <p> - &Eacute; mesmo? O que foi?</p> <p> - Tinha uma pessoal apresentando uma pe&ccedil;a de teatro na rua.</p> <p> - Sei...</p> <p> - O pessoal apresentava aquela pe&ccedil;a Dom Quixote. O senhor conhece?</p> <p> - Um idiota que andava num cavalo de pau lutando contra moinhos de vento? Esse cara fumava &eacute; droga estragada.</p> <p> - Qu&ecirc; isso, pai. Nosso professor de literatura nos falou que o Miguel de Cervantes foi o maior escritor da Espanha. Dom Quixote foi seu personagem imortal.</p> <p> - Filho. Aprenda uma coisa com o seu pai. Toda vez que voc&ecirc; analisar qualquer coisa, deve primeiro fazer uma pergunta pra voc&ecirc; mesmo. A pergunta &eacute; : Isso d&aacute; dinheiro? Se der dinheiro, v&aacute; em frente.</p> <p> - Mas pai. Essa pe&ccedil;a j&aacute; foi apresentada milh&otilde;es de vezes no planeta inteiro, sempre com muito sucesso.</p> <p> - Ai, ai, ai. J&aacute; vi que voc&ecirc; est&aacute; com pensamento de ser artista, n&eacute;? Pois tire esse pensamento da cabe&ccedil;a. Assim voc&ecirc; n&atilde;o vai ser ningu&eacute;m na vida.</p> <p> - Mas pai, tem artistas muito bem sucedidos.</p> <p> - Uai. Se voc&ecirc; quiser se prostituir e at&eacute; sair pelado em revista, at&eacute; que ganha algum dinheiro.</p> <p> - Mas que preconceito, pai. Nossa...</p> <p> - Preconceito, nada. Eu sou &eacute; realista. Veja essas atrizes todas que voc&ecirc; conhece. Elas ganharam dinheiro mesmo foi quando mostraram tudo nas revistas de mulher pelada.</p> <p> - Puxa, pai. O senhor n&atilde;o acredita na arte mesmo, hein? Cad&ecirc; a guitarra que o senhor tocava t&atilde;o bem? Cad&ecirc; seus discos de rock?</p> <p> - Ih...a guitarra eu troquei numa esteira de gin&aacute;stica e meus discos eu joguei no lixo.</p> <p> - O senhor virou um escravo do sistema. Que tristeza.</p> <p> - Escravo do sistema? Mas como assim escravo do sistema? Pois saiba que esse escravo do sistema aqui &eacute; que paga as contas dessa casa.</p> <p> -Tudo bem. Mas precisava ficar t&atilde;o careta assim? T&atilde;o longe da arte, da poesia, do rock?</p> <p> -Filho. Vou repetir mais uma vez. Guarde muito bem o que vou lhe falar. N&atilde;o perca tempo com ilus&otilde;es, com esses sonhos juvenis. Grave bem: Se der dinheiro, v&aacute; em frente. Se n&atilde;o der, dispense. Se agir assim vai se dar bem na vida.</p> <p> -Aff.</p> <p> - Agora voc&ecirc; vai me dar licen&ccedil;a, pois tenho de ir ao banco pagar algumas contas...</p> <p> Foi o pai sair e o av&ocirc; que ouvia tudo no quarto ao lado chamou o neto.</p> <p> -Guilherme... venha aqui.</p> <p> - O que foi v&ocirc;?</p> <p> - S&oacute; pra lhe dizer uma coisa. Seu pai est&aacute; passando por uma fase dif&iacute;cil, muito preocupado em juntar dinheiro e acumular patrim&ocirc;nio. Um dia ele vai entender que isso n&atilde;o vale nada.</p> <p> - Pois &eacute;, v&ocirc;. Ele t&aacute; ultra careta. N&atilde;o sei o que fazer.</p> <p> - Ent&atilde;o ou&ccedil;a esse seu velho av&ocirc;. Ele falou que se der dinheiro, v&aacute; em frente. N&atilde;o &eacute; isso?</p> <p> - Sim.</p> <p> - Ent&atilde;o apague e coloque no lugar o seguinte: se der prazer, v&aacute; em frente. Um dia ele vai entender isso...</p>