22/10/2013 19h00
Sobre Rossi, os beagles e os escrotos
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Na semana passada, a operação de resgate de 178 cachorros de um instituto de pesquisa em São Paulo abalou os corações de milhões. Ativistas que lutam pela proteção dos direitos dos animais invadiram o conceituado Instituto Royal, em São Roque, no interior paulista, e numa ação digna de Braddock libertaram os cães da raça beagle que serviam de cobaias para experiências mil.</p>
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O caso suscitou em minha cachola várias divagações. A primeira foi a lembrança do meu falecido escudeiro Rossi Weiler, um pinscher dos brabos que já colocou até fila para correr. Vieram-me memórias como o acesso nervoso seguido de desmaio que Rossi teve quando retornei à minha casa depois de algumas semanas, as cochiladas no sofá da sala que tanto enfezavam minha mãe, os ataques asmáticos que o pequeno nutria e as rusgas com os coleguinhas da rua. Rossi não era afeito às amizades.</p>
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Amante de tomate e pimentão, o cão demonstrava apreço pela saúde. A despeito do bafo monstruoso e de outros pormenores, como a eterna tara em pernas alheias, Rossi me fez muito bem. Hermes Periquito não me deixa mentir, principalmente depois que os caninos do meu chapa destroçaram sua calça jeans, coisa de doido.</p>
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Para fim de conversa, Rossi foi assassinado por uma gangue de cachorros rurais. Levado pelo meu imprudente irmão até o sítio e largado à sorte dos valentes, provavelmente meu amigo foi desafiado pelos cães do mato. Insultos como playboy do asfalto, rosca frouxa e gigante devem ter vindo à tona e quem conheceu a besta sabe que ele nunca recuaria. Jamais.</p>
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Contei essa passagem para confirmar que sou brother da cachorrada. Eu mesmo já agi como um autêntico rafeiro. O cão dá suporte, escuda, proporciona alegrias, enfim, é um animal bem massa. Diferentes dos iguanas, que ficam em suas redomas com aquele ar insuportável de superioridade, sem dar bola para qualquer evento externo, os cães interagem de maneira tenra, aqui excluídos os vingativos e sorrateiros cães de guarda.</p>
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Porém, com relação à redenção dos beagles, sinceramente, não concordo. Não há meios de se chegar ao Céu sem morrer, não existe maneira de se fazer omelete sem quebrar os ovos, não há almoço grátis no menu e por aí vai. Ora bolas, como dizia Popeye, existe uma inexorável cadeia de domínio no mundo e o homem está no topo em vários aspectos. Um deles é se aproveitar de outros animais em prol da sobrevivência coletiva.</p>
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O cerne é a produção de remédios. Não há muito que se dizer, é óbvio. Sem esse método, necas de Aspirina, para ficarmos no mais baixo grau de necessidade farmacológica. Acusam também a indústria de cosméticos, que sacrificaria animaizinhos por um propósito superficial. Senhoras, parem com essa parafernália estética, lancem todos os cremes aos leões. Creio ser mais fácil pararem de respirar.</p>
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A luta dos ativistas envolve, quando não a extinção do uso de animais em experimentos, ao menos a redução da dor infligida durante os testes laboratoriais. Assim como bois não são mais abatidos com uma machadada na cabeça nos grandes frigoríficos, isso mais por uma questão de eficiência produtiva, os invasores do Instituo Royal clamam por métodos mais amenos no trato com os bichinhos. Tudo bem, mas isso não resolve a questão de fundo.</p>
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Uma das ativistas colocou em letras miúdas parte do seu caráter e, quem sabe, de muitos de seus colegas de aventura: a dita preferiria que os testes envolvessem humanos a beagles. Apreendi que ela não se importaria com o fato de humanos vivenciarem aquilo que ela abomina em cachorros. A frase da invasora diz muito. Sua sentença grita inclusive que ela não tem a mínima noção do que é fazer parte de uma suposta humanidade, defeituosa, é verdade, mas a única da qual dispomos. Ela dá a clara mostra de que não defende animais, mas sim bichinhos fofinhos que fazem companhia em suas noites de depressão.</p>
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Aqui, brado uma pergunta direcionada aos defensores dos animais: por que raios ninguém invade laboratórios para salvar os indefesos ratos? Logo os ratos, cuja raça produziu celebridades como Mickey Mouse e seu primo pobre Super Mouse, Pink & Cérebro, Ligeirinho e tanto outros... Por que esses desgarrados não merecem tamanha deferência? E as baratas de laboratório? Estarão elas naturalmente condenadas ao confinamento miserável? Morcegos, lagartas, mosquitos, todos os feiosos são crias imperfeitas de Deus e não merecem nada além do sofrimento?</p>
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Ah!, ninguém gosta desse tipo de bicho. São nojentos, estão na memória coletiva como transmissores de doenças, repulsivos habitantes do breu. Já os pobres cãezinhos com olhinhos pedintes de carinho são umas gracinhas e não podem nunca passar por isso. Quanta dignidade em um só ato dos ativistas que guardam uma incoerência canina.</p>
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Bem, naturalmente, não poderia terminar de outro jeito que não o da paráfrase da eterna música Titânica: bichos escrotos, saiam dos esgotos. Vão, tomem os lares e jantares daqueles que só gostam dos peludinhos e fofinhos.</p>