09/10/2013 16h00
O Delicioso Sabor de Um Porco
<p>
Como não tenho nada para falar essa semana, e como não quero encher o saco dos nobres leitores com devaneios aborrecidos, reedito um pequeno conto que escrevi há vários anos, o qual chamei “O Delicioso Sabor de Um Porco”. Trata-se de uma história manjada de traição e morte. Esta tentativa deixou claro para mim que não sirvo nem para narrador de cantiga de ninar. Peço desculpas, na próxima semana votaremos com a programação normal.</p>
<div>
<p>
<strong>Vamos lá</strong></p>
<p>
Era um casal como todos os outros que caíram no redemoinho da rotina. Às vezes brigavam, se ofendiam, despejavam insultos que no fundo queriam ser ditos há muito. O amor era morno, feito mais por obrigação que por prazer, rápido e sem suor. O que ainda os unia eram os filhos, três crianças com idades entre três e sete anos.</p>
</div>
<p>
Viviam numa cidade de tamanho médio, daquelas onde os habitantes muitas vezes não se cumprimentam na rua, mas todos sabem quem é quem. O marido trabalhava numa fábrica de lâminas de aço. Era frequentador assíduo de bares e prostíbulos, alcoólatra, desligado do mundo, conectado ao copo e às raparigas.</p>
<p>
Não usava preservativos no trato com as meretrizes e isso foi o início da ruína definitiva do casamento. Certa vez contaminou a esposa com uma doença venérea, fato que tornou impossível a manutenção da hipocrisia monogâmica naquele lar. Depois disso, a distância entre os dois transformou-se num abismo intransponível.</p>
<p>
A esposa, como mandava o figurino, cuidava da casa, dos filhos e da vida alheia em sua vizinhança. Masturbava-se como nunca para suprir seu desejo, que sempre foi intenso. Passou a se interessar por Carlos, seu cunhado, presença constante naquele lar. Na verdade, ela nunca havia saboreado realmente o casamento, pois este se deveu a uma gravidez inesperada.</p>
<p>
Mal sabia que o matrimônio, seu redentor ante os olhos das ruas, tornar-se-ia seu frio e impassível executor.</p>
<p>
Numa tarde de sábado, Carlos bateu à porta em busca do irmão. A mulher o atendeu trajando uma camisa branca e um minúsculo short que expunha generosamente suas belas pernas e sua bunda empinada. Disse que o marido estava no bar e convidou seu cunhado para uma xícara de café. Claro, o convite continha primeiras, segundas e terceiras intenções.</p>
<p>
Conversavam sobre futilidades quando inesperadamente a mulher arrancou a camisa e atirou-se nos braços daquele homem que poderia ser seu filho. Ele reagiu tentando evitá-la, afastando-a com certa violência. Ela voltou a tentar abraçá-lo.</p>
<p>
Foi quando, desgraçadamente, a porta se abriu. O marido entrou pela sala e presenciou a cena. Sua mulher, com os seios à mostra, próxima, muito próxima ao rosto do irmão. A feição alcoolizada do corno exibia um misto de perplexidade e ódio, os olhos refletiam a silhueta da morte.</p>
<p>
Não houve tempo para explicações, ele não escutou os apelos de Carlos e muito menos os da “vagabunda”, única palavra que repetia nervosamente. Sentiu-se pequeno, rejeitado, humilhado. Era como se, de repente, o que nunca lhe foi valioso passasse a comprar até mesmo sonhos.</p>
<p>
De arma em punho, apanhada com voraz velocidade em seu quarto, fez com que se ouvissem seis estampidos. Quatro tiros se acomodaram na cabeça e no tronco da esposa, dois se enraizaram no olho esquerdo e no pescoço do irmão.</p>
<p>
Dois corpos coloridos de sangue ocupavam o chão da cozinha. O traído apanhou uma faca de bom fio e partiu os cadáveres em pequenas porções, calmamente. Havia assistido a um filme de gângsteres onde aprendeu que os porcos devoram facilmente a carne e os ossos humanos, dispensando apenas os dentes, pois são indigeríveis.</p>
<p>
Foi até uma propriedade rural nas redondezas da cidade e comprou um suíno de bom tamanho, rosado, para que este degustasse as provas de seu crime. Acomodou-o no quintal. Planejou matá-lo no natal que chegaria dentro de dois meses.</p>
<p>
Os dentes dos “traidores” foram posteriormente jogados numa caldeira da fábrica onde trabalhava.</p>
<p>
Contou à polícia a crise pela qual seu casamento passava, adicionou que desconfiava em larga medida de um romance entre a mulher e o irmão. Inventou pequenos fatos que alimentavam suas dúvidas. Concluiu que eles fugiram para algum lugar distante a fim de viverem o relacionamento às abertas, deixando-o com as crianças e a amargura da solidão.</p>
<p>
Nem a polícia nem as famílias conseguiram chegar a uma conclusão concreta. A falta completa de notícias se mostrou estranha, mas não havia outra hipótese plausível para aquele desaparecimento.</p>
<p>
Chegado o natal, o traído fez questão de reunir seus pais e os de sua esposa, além de outros parentes e conhecidos. Quando o badalar do relógio denunciou meia-noite, ele foi até a cozinha e regressou com um porco assado, suculento, gordo e brilhante.</p>
<p>
Todos comeram de maneira exagerada, tamanho o delicioso sabor daquele prato. Em meio aos comentários tolos sobre tudo o que havia se passado, alguém, após arrotar, comentou:</p>
<p>
- Que tempero maravilhoso Jonas!</p>