Bom Dia - O Diário do Médio Piracicaba

notícias

10/09/2013 16h00

Quando ela chegar

Compartilhe
<p> Amigos, voc&ecirc;s est&atilde;o morrendo. Acalmem-se, eu tamb&eacute;m estou. A ampulheta foi virada h&aacute; muito e n&atilde;o h&aacute; volta. N&atilde;o se aflijam, morrer &eacute; corriqueiro, coisa certeira como chover para baixo. N&atilde;o &eacute; pecado trancar os olhos, ali&aacute;s, alguns pensam ser uma ben&ccedil;&atilde;o.&nbsp; A morte &eacute; o urro da vida.</p> <p> N&atilde;o &eacute; macabro falar do desaparecer. Deveria, pelo contr&aacute;rio, ser um papo di&aacute;rio, desses leves, que a gente leva de boa na mesa do bar. Mais ou menos como conversar sobre o almo&ccedil;o de ontem, o cachorro companheiro, a mulher danada, o corno da esquina, o futebol do final de semana. Coisa macia que n&atilde;o se prestaria a levantar neuras.</p> <p> Antigamente, morrer era mais f&aacute;cil. As pessoas estavam mais dispostas a deixar de existir em eras mais objetivas. Morria-se facilmente pela honra, para come&ccedil;ar a prosa. Morria-se tranquilo devido a percal&ccedil;os hoje controlados, como tuberculose, tripa enrolada e gonorreia. V&aacute;rios encerravam a brincadeira por amor, o que, sinceramente, &eacute; sinal de pouco tutano.</p> <p> A morte andava ali, juntinha ao calcanhar, tal qual um vira-lata chato que se desembesta atr&aacute;s de qualquer motoca de 100 cilindradas. Esse dito mist&eacute;rio, que tanto alvoro&ccedil;o provoca nos habitantes da modernidade, n&atilde;o tem nada de complexo: &eacute; simplesmente um sistema que entrou em parafusos e parou de funcionar, um arranjo de carbonos que foi varrido pelo sopro do imprevisto e se dispersou. Mais &agrave; frente, ele h&aacute; de se reorganizar e formar outro sistema.</p> <p> &Eacute; dif&iacute;cil falar assim para os que comp&otilde;em as fileiras da f&eacute;. E estes s&atilde;o os que mais me impressionam. Ora, caso tivesse um Para&iacute;so &agrave; disposi&ccedil;&atilde;o n&atilde;o teria medo de nada. Viveria desregradamente justamente &agrave; procura da morte para chegar mais r&aacute;pido ao s&iacute;tio de Deus. Cumpriria com minhas obriga&ccedil;&otilde;es de bondade e, uma vez recompensado, me esticaria no banco da pra&ccedil;a divina, sob a sombra, que fique claro, pois l&aacute; em cima o Sol deve arder mais forte.</p> <p> Mas n&atilde;o acredito nisso. N&atilde;o assinei um contrato com Deus, n&atilde;o tenho garantias. Ali&aacute;s, coloco aqui uma quest&atilde;o: caso eu morresse e n&atilde;o deixasse de existir, me lembraria de quem fui nessa vida? Saberia tudo que Thobias Almeida fez e deixou de fazer, os escorreg&otilde;es, as grandes tacadas (ali&aacute;s, onde est&atilde;o?), os gols nas peladinhas, as mentiras que contei e as verdades que escondi? Se n&atilde;o, me perdoem, estaria morto da mesma forma, mesmo que minha alma continuasse sua peregrina&ccedil;&atilde;o sei l&aacute; por onde.</p> <p> Para mim, a discuss&atilde;o sobre a morte encerra duas naturezas dos homens: o medo e o ego&iacute;smo. Eu, por exemplo, tenho medo de morrer sentindo dor, n&atilde;o me apetece sofrer. Gostaria de me calar dando uma bela cagada, vendo a luz rompendo a n&eacute;voa de uma charmosa manh&atilde; de inverno. Acho que muitos sentem o mesmo, se angustiam ao imaginar os requintes da partida.</p> <p> J&aacute; sobre o ego&iacute;smo, os homens, em sua maioria, n&atilde;o querem se desgarrar dos prazeres mundanos. Isso causa clima. E aqui n&atilde;o falo apenas dos ricos, que vivem infind&aacute;veis gozos di&aacute;rios, mas de todos, ou voc&ecirc;s acham que o Z&eacute; do Morro n&atilde;o pensa ser vantajoso viver? Ele tamb&eacute;m guarda suas quebradas de asas. O ser humano &eacute; bicho esperto, n&atilde;o permanece onde s&oacute; lhe oferecem desgra&ccedil;a. Cada qual tem sua trepada com a vida.</p> <p> Concordo que presenciar a morte de um bem quisto &eacute; dif&iacute;cil. A tal da saudade, que vem depois da tristeza, &eacute; afiada. Mas o tempo &eacute; um band-aid eficiente que junta os cacos e faz a gente tocar em frente. S&atilde;o raros os que morrem por causa da morte.</p> <p> Quando voc&ecirc;s perceberem que vivem morrendo, talvez fiquem mais tranquilos. Desde o momento em que o girino fura a bolinha estamos fadados a morrer. Ali&aacute;s, para que a vida comece, milh&otilde;es de girinos devem perecer ao som desafinado das trompas de Fal&oacute;pio.</p> <p> Caros, ningu&eacute;m est&aacute; fadado ao sucesso ou ao fracasso, a ser m&eacute;dico ou mendigo, a ser ladr&atilde;o ou Papa. O ser humano &eacute; menos importante, &eacute; simples energia que se esgota. O que ocorre nesse &iacute;nterim &eacute; coisa pequena. O mundo n&atilde;o sentiria sua falta, voc&ecirc; n&atilde;o &eacute; uma esp&eacute;cie de escolhido, acostume-se com a ideia. Relaxe e tente fazer muito sucexo para viver com certa dignidade. Sua morte &eacute; acontecimento a ser escrito no p&eacute; de p&aacute;gina do jornal da peixaria.</p> <p> N&atilde;o roguem pragas sobre minha pessoa. Sou pac&iacute;fico e n&atilde;o tenho santos a me proteger. A &uacute;nica interven&ccedil;&atilde;o divina a mim concedida foi ter ganhado um frango assado na Codorna, durante o bingo da Festa do Bom Jesus, que por sinal veio sem uma das coxas, como pode comprovar meu amigo Boquinha.</p> <p> Por tudo isso, permane&ccedil;o pensando no ontem, porque hoje ainda n&atilde;o acabou e amanh&atilde; est&aacute; muito longe. N&atilde;o quero morrer, fato. Quero dar uma vivida tranquila, deixar alguns penduricalhos no mundo para que n&atilde;o se esque&ccedil;am da minha unha encravada. Nada mais.</p> <p> Veremos se estarei com essa farta dose de serenidade quando minha hora chegar. Provavelmente n&atilde;o. Tanto faz quanto fez, depois da morte a conversa fiada fica mais baixa.</p> <p> Contato: thobiasalmeida@gmail.com</p>

Bom Dia Online- Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.

by Mediaplus