02/07/2013 18h00
Lusco & Fusco - A Derrota
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O grande jornalista Geneton Moraes Neto conta uma história saborosíssima. Ainda um molecote na curva dos 18 anos, quando era apenas um protótipo de repórter, ele resolveu tentar uma entrevista com o inigualável Nelson Rodrigues, dramaturgo, cronista, frasista e tarado como poucos, o homem que elevava em mil vezes a potência das palavras. Para sua surpresa, Geneton conseguiu agendar um encontro com o “Anjo Pornográfico”, como se autointitulava Rodrigues, em uma tarde de um dia que não era qualquer. A entrevista fora marcada na mesma hora de um jogo do selecionado canarinho.</p>
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Ao chegar à porta do apartamento do mestre, isso no Rio de Janeiro da década de 1970, se a memória não me escapa, Geneton titubeou. “É claro que ele se esqueceu do jogo e não irá me receber”, pensou o intrépido vasculhador de vidas. Pois Nelson Rodrigues o recebeu calorosamente, eram conterrâneos, paridos de ventres pernambucanos. Conversaram durante toda a tarde, a televisão sintonizada frouxamente no jogo, isso no início da partida, pois o anfitrião viria a pedir para que o aparelho fosse calado ainda no primeiro tempo.</p>
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Falaram sobre tudo. Nelson abriu as comportas de sua cabeça e despejou célebres sentenças aos borbotões. Os olhos procuraram poucas vezes as imagens da TV, até porque o escritor tinha sério problema de visão. Quando presente ao Maracanã, pouco enxergava do campo e recorria ao vizinho de arquibancada para saber o que se passava lá embaixo. Assim, Geneton ficou curioso e ansioso por ler a crônica que Nelson publicaria no dia seguinte no jornal O Globo. Pensou, “como ele vai escrever sobre um jogo que praticamente não viu?”. Os meandros da genialidade são vastos e incompreensíveis, e no dia seguinte, conta o repórter, ele leu uma das melhores crônicas esportivas de todos os tempos do futebol.</p>
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Por que repiso essa história? Porque no domingo ocorreu algo semelhante comigo. Só que, ao invés de uma entrevista, concedia fartas doses de cerveja ao meu organismo. O jogo entre Brasil e Espanha corria solto e eu me preocupei mais em debater assuntos alheios ao certame do que fixar minha atenção no brilho televiso de alta definição. Porém, como estou a anos-luz do talento de cronista de Nelson Rodrigues, não conseguirei brindá-los com um suculento relato da partida. Mas não me furtarei de pitaquear.</p>
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O Brasil deu um legítimo sacode no time espanhol como poucas vezes se viu. Arrebentar a estrutura de um time formado, entrosado e talentoso como o é a Espanha é para poucos, talvez só mesmo para o brilho nato do jogador brasileiro. Um vareio, um passeio, um atropelamento, e quantos outros adjetivos vocês quiserem escolher. Uma aula!</p>
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Assim que Felipão foi efetivado no cargo de treinador concordei com uma sentença que li em uma rede social: ele foi escolhido por superstição. Eu e muitos o enxergávamos como um técnico ultrapassado, sem a necessária vontade de vencer, isso em função do recente trabalho no Palmeiras, lastimável. Quando Felipão deixou Ronaldinho Gaúcho de fora, a aversão aumentou ainda mais. Ranzinza e cabeça dura, foram minhas palavras.</p>
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No entanto, o homem do bigode conseguiu dar vida a um time formado por bons jogadores e um craque que nem precisa ter o nome citado. Além disso, a figura mortal do 9 foi ressuscitada, algo que permanecia adormecido em águas profundas desde a aposentadoria do Gordo, que, reconheçamos, como comentarista é um desastre.</p>
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Felipão soprou um jato de alma e brio para o interior da seleção. Mérito dele, que novamente contrariou as expectativas de amadores como eu.</p>
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A partir disso, cravo com toda certeza: o Brasil perderá a Copa do Mundo de 2014. Não meu amigo, não me xingue, não me denigra, não me considere um “do contra”. Baseio-me na mais alta teoria futebolística para sustentar essa puída sentença de fracasso. O Brasil viverá um trauma no próximo ano.</p>
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Não resta dúvida, o futebol não perdoa. A contagiante campanha na Copa das Confederações servirá apenas para aumentar a altura do tombo. Assim sempre foi o ludopédio e nada, nem mesmo a ordem divina, poderá mudar o caráter jocoso do jogo que amamos.</p>
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E ouso adiantar que perderemos na final, de virada, com gol roubado, nos acréscimos. O óbvio script permanece inalterado na trama futebolística. Tudo foi ardilosamente calculado pelo “Sobrenatural de Almeida”, termo que, por sinal, foi criado por Nelson Rodrigues. Não há remédio contra tal vaticínio.</p>
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Agora, só nos resta guardar as lágrimas para o ano que vem. Preparem-se para a segunda maior decepção da história do futebol brasileiro. Ela já tem data, local e horário para ocorrer.</p>
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Sobre a maior decepção do futebol brasileiro poderemos falar em um próximo encontro. Ponham a caxirola para pensar.</p>
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Um abraço!</p>