18/06/2013 18h00
Lusco & Fusco - Protesto pra Dar e Vender
<p>
Parte do Brasil está perplexa. Os movimentos que tomaram conta das ruas do país na última semana foram, para muitos, inesperados. Foram lançadas variadas adjetivações na direção dos protestos, tais como truculentos, legítimos, amorfos, esvaziados ideologicamente, atrasados, renovadores, etc. Cada um viu à sua maneira a galera invadir de supetão as esquinas de grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Ouviu-se muito uma coisa: o Brasil acordou, a população pacífica resolveu lutar por seus direitos. No entanto, essa última colocação é uma grande e redonda inverdade.</p>
<p>
Como não sou historiador e nem conhecedor diferenciado de nosso passado, fui obrigado a recorrer ao oráculo internético. Senhores, desde o Século XVI contei a existência de mais de uma centena de levantes, manifestações, guerras, conflitos, revoltas e toda sorte de tumulto popular. Parei porque não estava a cumprir uma missão militar. Óbvio, muitas das ocorrências decorreram de manipulações e manobras de poderosos, desprovidos da virgem e alva insatisfação popular. Não importa, o que quero abordar reside em outro viés.</p>
<p>
Quando Sérgio Buarque de Holanda cunhou sua teoria sobre o homem brasileiro cordial por natureza ele tropeçou nas idéias, e longe de mim querer rivalizar com o douto. Apenas faço conclusões rápidas. No entanto, nada me tira da cabeça que o galho sempre envergou por essas bandas.</p>
<p>
No relato do aventureiro e mercenário alemão Hans Staden, um dos mais impressionantes registros sobre o modo de vida indígena, as guerras entre as tribos pipocavam como as estrelas penduradas no céu tropical dessa terra onde tudo dá em se plantando. Só para registro, o alemão ficou em poder dos Tupinambás durante nove meses, isso nos idos de 1550, e só não virou churrasco porque alguns exemplares de gente nascem com certa parte íntima virada para lua.</p>
<p>
Podemos nos voltar para a Cabanagem, revolta das grossas ocorrida lá pelas bandas do Pará entre 1835 e 1840. Os rebeldes eram miseráveis que viam suas famílias morrerem em decorrência da fome e de doenças, enquanto nos palácios a fartura comia solta, nada muito diferente do presente. A Cabanagem foi uma das maiores revoltas populares da história do país, fez cabeças de governantes rolarem e deixou um saldo de milhares de mortos. O movimento foi batizado em decorrência das habitações dos rebeldes. Ressalte-se o nome do líder do movimento: Antônio Vinagre.</p>
<p>
Outro tumulto que afasta do brasileiro a pecha de amistoso é a Balaiada, revolta iniciada depois que policiais violentaram duas filhas de Francisco Ferreira, o Balaio, sem que houvesse punição. Desde aquele tempo – o ano era 1838 – as forças de manutenção da ordem cometiam seus excessos impunemente. A luta durou 46 dias.</p>
<p>
Já na era da República, houve a mais que famosa Guerra de Canudos, onde o messias Antônio Conselheiro liderou milhares de seguidores investido de autoridade divina, isso lá no interior da Bahia. Sim, até Deus já pegou em armas no Brasil. Os números dão conta de que 20 mil sertanejos foram mortos pelo Exército, que por sua vez teve baixas de cinco mil homens. A treta explodiu depois que um carregamento de madeira encomendado por Conselheiro, que queria construir uma igreja em Canudos, não foi entregue. Ainda hoje há vários malandros por aí que fazem a mesma coisa, como essas grandes lojas virtuais.</p>
<p>
Poderia citar outras tantas revoluções, como Revolta da Chibata, Guerra do Contestado, Coluna Prestes, Revolução Farroupilha, as manifestações contra a Ditadura e por aí vai. Queria mesmo era chamar a atenção para o fato de a história do Brasil ser entremeada por revoltas populares, sejam elas espontâneas ou decorrentes da artimanha engendrada dentro das paredes dos palacetes.</p>
<p>
Sobre as manifestações que hoje balançam o Brasil, acho ótimo. Não me importa quem as fazem, porque as fazem, como as fazem. Há muito tempo as ruas estavam vazias. Tal situação provoca uma larga sensação de conforto nos canalhas que dia sim, dia sim, se refestelam sobre aquilo que não lhes pertence. Chega a ser inacreditável que mais de 20 anos se passaram para que isso voltasse a ocorrer, por mais que tenha minhas dúvidas acerca dos caras pintadas da era Collor.</p>
<p>
Acrescento algo mais: os jovens manifestantes de hoje têm um trunfo nas mãos muito mais poderoso que pedras ou coquetéis molotov. Eles dominam a tecnologia, eles sabem se guiar pelo labirinto infinito da internet, eles conseguem manipular a realidade do universo digital. Lá, eles comandam. Ontem, a conta da revista Veja no Twitter foi invadida. Imaginem o nível de desastre provocado por um ataque maciço contra sistemas bancários ou redes de grandes corporações.</p>
<p>
No Século XXI, por mais que sejam bem-vindas as mostras de insatisfação no espaço público, os verdadeiros inimigos do establishment estão em um quarto à meia luz, usam óculos e têm aparência inofensiva. Eles não trocam sopapos com a polícia, eles simplesmente têm o poder de fazer com que ela pare de funcionar.</p>
<p>
Aguardemos os próximos capítulos.</p>