Bom Dia - O Diário do Médio Piracicaba

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26/05/2013 23h23

Lusco & Fusco - Faltou um Banquinho

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<p> Esfor&ccedil;ados leitores, a coluna desta semana &eacute; baseada em uma hist&oacute;ria ver&iacute;dica colhida em dezenas de conversas com o personagem principal, que n&atilde;o ter&aacute; o nome revelado devido ao envolvimento de terceiros na narrativa. Afinal de contas, em um mundo onde tudo vira processo, &eacute; melhor se resguardar para depois n&atilde;o ser obrigado a enfrentar o homem (ou mulher) da capa preta.</p> <p> A hist&oacute;ria versa sobre o lado B da luta contra a Ditadura Militar. Hoje, ao nos depararmos com document&aacute;rios, entrevistas, filmes e toda sorte de material daquele per&iacute;odo, temos a impress&atilde;o de que tudo foi forjado por grupos de valentes e honrosos indignados em busca da democracia e liberdade. N&atilde;o que isso seja mentira, mas h&aacute; um lado mais c&ocirc;mico e menos glorioso desse per&iacute;odo, como me relatou K, maneira pela qual chamaremos o dono da historieta. O homem, hoje na casa dos 65 anos, tem uma defini&ccedil;&atilde;o clara sobre sua participa&ccedil;&atilde;o no movimento: &ldquo;Eu era massa de manobra&rdquo;, conta.</p> <p> Em meados da d&eacute;cada de 1960, K freq&uuml;entava os corredores da Faculdade de Filosofia e Ci&ecirc;ncias Humanas (FAFICH) da UFMG. Como se sabe, &agrave;quela &eacute;poca, o local vivia momento de efervesc&ecirc;ncia. Em BH, um dos alvos preferidos para cercos e buscas por &lsquo;subversivos&rsquo; era a FAFICH, pois, para os milicos, era l&aacute; onde se escondiam grande parte dos &ldquo;cabe&ccedil;as&rdquo; das a&ccedil;&otilde;es revoltosas na capital mineira.</p> <p> Jovem de fam&iacute;lia simples, K tinha dupla jornada, freq&uuml;entava o curso de comunica&ccedil;&atilde;o pela manh&atilde; e trabalhava no turno da tarde, coisa que a maioria dos colegas n&atilde;o fazia, ou melhor, n&atilde;o precisava fazer. Segundo sua mem&oacute;ria, era comum que, logo ap&oacute;s o in&iacute;cio das aulas, por volta das 7h15, dezenas de militares e policiais cercassem o pr&eacute;dio da faculdade, que ainda n&atilde;o havia sido transferida para o campus da Pampulha. A t&aacute;tica era simples: fazer com que todos os estudantes que sa&iacute;ssem tivessem os documentos checados, uma vez que havia uma lista de procurados. Apesar de todo o autoritarismo, a entrada nas depend&ecirc;ncias da faculdade n&atilde;o era franqueada aos c&atilde;es de guarda da ditadura.</p> <p> K relembra que, assim que o cerco era formado, os l&iacute;deres estudantis proibiam a sa&iacute;da de qualquer estudante. &ldquo;Nessa hora, n&atilde;o permitiam que ningu&eacute;m fosse embora. Eu poderia, era peixe pequeno, ningu&eacute;m estava atr&aacute;s de mim. Mas, se a turma come&ccedil;asse a deixar o pr&eacute;dio, eles acabariam ficando sozinhos e expostos. Assim, todo mundo era obrigado a acompanh&aacute;-los&rdquo;, conta. K diz que o desespero tomava conta principalmente das meninas que cursavam letras, que &ldquo;eram meio dondocas&rdquo;. Segundo ele, muitas delas chegavam a desmaiar de desespero, o que fazia com que seus pais fossem acionados para resgat&aacute;-las.</p> <p> Para K, o inc&ocirc;modo residia no fato de ele trabalhar no turno da tarde e ter seu emprego colocado a perigo cada vez que era obrigado a permanecer durante 12, 13 horas dentro da FAFICH. &ldquo;Era complicado. No fim, minha patroa n&atilde;o acreditava mais em mim. Toda semana eu faltava pelo mesmo motivo. O problema &eacute; que eu precisava demais daquele dinheiro e se perdesse o emprego estaria frito. N&atilde;o tinha tempo para ser revolucion&aacute;rio&rdquo;, relata. Isso sem falar na fome, ou voc&ecirc;s acham que o movimento oferecia lanchinho durante essa longa espera?</p> <p> Outra lembran&ccedil;a de K diz respeito &agrave;s passeatas que tomavam principalmente a Avenida Afonso Pena. Ele rememora com detalhes o roteiro das manifesta&ccedil;&otilde;es. &ldquo;Tinham os cabe&ccedil;as que subiam nos banquinhos e come&ccedil;avam a discursar. Falavam de revolu&ccedil;&atilde;o, animavam a turma, faziam aquele fuzu&ecirc;. A&iacute;, logo depois, todos sa&iacute;am para a rua&rdquo;. No entanto, sempre sobrava para os mi&uacute;dos puxar a fila na avenida. E o que acontecia com aqueles que estavam &agrave; frente da passeata? &ldquo;Nossa senhora, a gente apanhava demais. A pol&iacute;cia vinha e descia o cacete, era tanta pancada no lombo que chegava a entortar. A&iacute; a gente olhava para o lado e n&atilde;o via ningu&eacute;m da turma que subia no banquinho para discursar. Eles desapareciam como fuma&ccedil;a&rdquo;, conta K.</p> <p> Dispersada a aglomera&ccedil;&atilde;o, j&aacute; havia previamente acertado o ponto de reorganiza&ccedil;&atilde;o, geralmente na Pra&ccedil;a Rio Branco, em frente &agrave; rodovi&aacute;ria de BH. &ldquo;Quando a gente chegava l&aacute; os cabe&ccedil;as e seus banquinhos j&aacute; estavam a postos e d&aacute;-lhe discurso. Depois que se passavam alguns minutos, a pol&iacute;cia chegava e iniciava a distribui&ccedil;&atilde;o de pancadas. E, de novo, nenhum dos l&iacute;deres apanhava. Eu nunca soube como eles sempre conseguiam desaparecer t&atilde;o depressa&rdquo;, ri K.</p> <p> Perguntado se n&atilde;o seria poss&iacute;vel refutar o convite para participar das manifesta&ccedil;&otilde;es, K &eacute; enf&aacute;tico. &ldquo;N&atilde;o tinha jeito, ou a gente estava do lado deles ou dos militares. E, para um estudante da FAFICH, n&atilde;o estar do lado do movimento era o fim. A pecha de tra&iacute;ra e alcaguete cairia como uma bomba em nossa cabe&ccedil;a e poderiam sobrar at&eacute; sopapos&rdquo;, diz K.</p> <p> Anos mais tarde, j&aacute; como jornalista, K presenciou a pris&atilde;o de um estudante na faculdade de medicina da UFMG. O dito cujo esbravejou improp&eacute;rios na cara de um milico s&oacute; para ser levado. Desconhecido, um z&eacute; ningu&eacute;m que n&atilde;o despertava a aten&ccedil;&atilde;o do governo verde oliva, n&atilde;o passou mais do que 10 minutos preso, algo j&aacute; previsto. Hoje, por coincid&ecirc;ncia, K e este sujeito trabalham juntos. Ficou clara a inten&ccedil;&atilde;o do mesmo naquela ocasi&atilde;o, pois o epis&oacute;dio rende at&eacute; hoje rasgos de orgulho, com frases como &ldquo;eu fui preso pela ditadura&rdquo; ecoando pelos corredores da empresa. Revolucion&aacute;rios de araque como esse existem aos montes, garante K.</p> <p> Instado a fazer uma an&aacute;lise daquele per&iacute;odo, K exp&otilde;e sua opini&atilde;o num piscar de olhos. Todos aqueles que subiam nos banquinhos para discursar est&atilde;o bem posicionados no governo. Sem exce&ccedil;&atilde;o, todos foram alocados em algum cargo, principalmente depois que o PT chegou ao poder. Por outro lado, ningu&eacute;m da turma da linha de frente, os que sofriam com os cassetetes da pol&iacute;cia, pelo menos que K saiba, ganhou uma boquinha. Assim, ele dispara a frase certeira que resume sua situa&ccedil;&atilde;o: &ldquo;Na verdade, faltou um banquinho para mim&rdquo;. No final das contas, &eacute; isso.</p>

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